EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA CELEBRADO APÓS LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA NÃO REGISTRADA – INADMISSIBILIDADE – VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 422 DO CC – AUSÊNCIA DE BOA-FÉ – OBJETO ILÍCITO – NULIDADE DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – ART. 166, II, DO CC – RECURSO PROVIDO. É nulo, na forma do art. 166, II, do Código Civil, por ser ilícito, o compromisso de compra e venda que tem por objeto o mesmo imóvel vendido anteriormente por meio de escritura pública ainda que não registrada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator, vencido o revisor.
Campo Grande, 10 de novembro de 2009.
Des. Atapoã da Costa Feliz – Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Atapoã da Costa Feliz
Sebastião Homero Gomes e outra interpõem apelação em face da sentença de improcedência do pedido que formularam em ação anulatória de ato jurídico ajuizada em desfavor de Alcindo Ildefonso Gonçalves, Hosana Correa Gonçalves e Divino Carlos Ferreira.
Alegam que os vendedores, ora recorridos, não poderiam vender novamente a área rural que lhes foi transferida por meio de escritura pública de compra e venda.
Afirmam que os recorridos contrataram a venda de um bem que não dispunham mais do seu domínio.
Pedem, alternativamente, a redução da condenação dos honorários de advogado fixados na sentença em R$ 10.000,00.
Contrarrazões pela manutenção da sentença.
VOTO (EM 22.9.2009)
O Sr. Des. Atapoã da Costa Feliz (Relator)
Sebastião Homero Gomes e outra interpõem apelação em face da sentença de improcedência do pedido que formularam em ação anulatória de ato jurídico ajuizada em desfavor de Alcindo Ildefonso Gonçalves, Hosana Correa Gonçalves e Divino Carlos Ferreira.
Consta dos autos que os recorridos Alcindo e Hosana venderam, por meio de duas escrituras públicas de compra e venda lavradas em 12.4.2004, dois imóveis rurais descritos respectivamente nas matriculas n. 8.966 e 8.967 do CRI de Coxim (f. 30/37), para os recorrentes.
Ocorre que os mesmos imóveis foram novamente vendidos, em 3.8.2004, pelos recorridos Alcindo e Hosana, por contrato particular de compromisso de venda e compra firmado com Divino Carlos (f. 43).
A escritura pública firmada entre os recorrentes e os vendedores, Alcindo e Hosana somente foi levada a registro em 14.10.2004, mas o pedido de registro foi recusado pelo Tabelião (f. 48/49). Sendo, todavia, registradas posteriormente, em 6.7.2005, por determinação judicial (f. 57 - 129/130).
Quanto ao compromisso particular de compra e venda, firmado entre os recorridos, observa-se que ele também foi registrado nas matrículas dos imóveis em 17.2.2006 (f. 126/127 v e 128).
Diante disso, os recorrentes ajuizaram esta ação anulatória de ato jurídico pretendendo a decretação de nulidade do contrato de compromisso de compra e venda havido entre os recorridos, pois os vendedores não poderiam vender os imóveis que não lhes pertenciam mais.
Após a citação, os recorridos apresentaram contestação em conjunto, onde afirmam que o compromisso de compra e venda é legítimo, pois notificaram previamente os recorrentes visando a rescisão do contrato de compra e venda firmado com os apelantes, tendo em vista o não pagamento das dívidas dos vendedores, ora recorridos.
Na sentença o magistrado afirmou que não foi provada nenhuma das hipóteses previstas na lei que ensejam a anulação do contrato, por isso julgou improcedente o pedido (f. 262/267).
Inconformados com a sentença, os recorrentes apresentaram apelação na qual alegam que os vendedores, ora recorridos, não poderiam vender novamente a área rural que lhes foi transferida por meio de escritura pública de compra e venda.
Afirmam que os recorridos contrataram a venda de um bem que não dispunham mais do seu domínio.
Pedem, alternativamente, a redução da condenação dos honorários de advogado fixados na sentença em R$ 10.000,00.
Resta incontroverso nos autos que os mesmos imóveis foram vendidos inicialmente, pelos recorridos, Alcindo e Hosana, aos recorrentes, por intermédio de escritura de compra e venda, e, em seguida, foram prometidos à venda ao recorrido, Divino Carlos, por meio de compromisso de compra e venda.
Nota-se que ao tempo da celebração do compromisso de venda e compra firmado entre os recorridos, o imóvel já havia sido vendido aos recorrentes.
Esclarece-se que não há falar em rescisão automática do contrato de compra e venda firmado por meio das escrituras públicas lavradas em 12.4.2004, porquanto mesmo que os recorrentes estivessem descumprido suas obrigações contratuais, consistente no pagamento das dívidas dos vendedores, caberia aos alienantes requererem a execução do contrato ou a rescisão do pacto por eventual inadimplência contratual, o que não ocorreu.
Logo, se os recorridos, Alcindo e Hosana, pretendiam retomar os imóveis para novamente aliená-los, deveriam no mínimo pleitear a rescisão do contrato de compra e venda firmado com os recorrentes.
Assim, temerária a atitude dos recorridos em celebrar o compromisso de compra e venda, sem que pudesse haver a transferência dos imóveis de forma plena e desembaraçada.
Constata-se, diante disso, que os vendedores não poderiam prometer à venda um imóvel que antes se obrigaram a transferir o domínio, por meio de escritura pública, sem antes rescindir essa mesma escritura.
Poder-se-ia argumentar que a escritura pública ainda não estava registrada e, por isso, os recorridos ainda detinham o domínio e, em razão disso, poderiam celebrar o compromisso de venda e compra objeto desta ação.
Acontece que os recorridos já haviam se obrigado a transferir o domínio e o registro da escritura não dependia da aquiescência deles, mas apenas da vontade dos recorrentes.
Sobre os efeitos da compra e venda são as lições de Carlos Roberto Gonçalvez, in verbis:
“Quem vende um imóvel por escritura pública, preleciona Couto e Silva, não necessitará de outro ato ou de outra declaração de vontade para que possa ser realizado o registro, pois, na vontade de vender, está a vontade de adimplir, de transmitir, que, por si só, é suficiente para permitir o registro no albo imobiliário”. (Direito Civil Brasileiro, 4ª edição, ed. Saraiva, p. 203/204).
Verifica-se que os vendedores, recorridos, se comprometeram a transmitir o domínio das áreas rurais aos recorrentes quando assinaram a escritura pública de compra e venda, o que lhes impede prometer os imóveis a outra pessoa.
Observa-se que houve expressa violação do disposto no art. 422 do CC, que obriga os contratantes a guardar, tanto na conclusão do contrato como na execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Dessa forma, o negócio jurídico celebrado entre os recorridos é nulo, pois constitui ato ilícito, contrário aos bons costumes, à ordem pública e à moral, a alienação de imóvel que de fato já não mais lhes pertencia.
Sabe-se que é elemento essencial de todo e qualquer contrato que seu objeto seja lícito, sendo que eventual ilicitude impõe a declaração de nulidade do negócio jurídico, nos termos do art. 166, II, do Código Civil, conforme fundamentam os recorrentes na inicial.
Sobre o tema colhe-se o seguinte julgado, in verbis:
AÇÃO DE NULIDADE DE ESCRITURA. NULIDADE DA SENTENÇA E NULIDADE DO PROCESSO. PRELIMINARES AFASTADAS. COMPRA E VENDA. FRAUDE. ANULAÇÃO. Não se verificando a ausência de algum dos requisitos constantes dos artigos 458 e 460 do Código de Processo Civil, não há que se falar em nulidade da sentença. Inexiste cerceamento de defesa em caso de a dilação probatória se apresentar desnecessária em face da natureza das questões em debate, dos elementos de prova ínsitos no contexto do processo e da certeza de conter o feito meios suficientes ao julgamento do litígio sem ampliação da fase instrutória. Na forma do artigo 145, II, do Código Civil de 1916, aplicável ao caso, é nulo o ato jurídico quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto, sendo nulo, portanto, registro de imóvel efetuado com base em documentos falsos ou em evidente prejuízo de terceiros. (TJMG; AC 1.0027.96.000583-6/001; Betim; Décima Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Otávio Portes; Julg. 13/06/2007; DJMG 20/07/2007) (Publicado no DVD Magister nº 20 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007)
Posto isso, dá-se provimento ao recurso para declarar nulo o compromisso de compra e venda de f. 43/47 firmado entre os recorridos, invertendo-se o ônus da sucumbência.
CONCLUSÃO DE JULGAMENTO ADIADA PARA A PRÓXIMA SESSÃO EM FACE DO PEDIDO DE VISTA DO REVISOR, DES. DORIVAL RENATO PAVAN, APÓS O RELATOR DAR PROVIMENTO AO RECURSO. O VOGAL AGUARDA.
VOTO (EM 6.10.2009)
O Sr. Des. Dorival Renato Pavan (Revisor)
SEBASTIÃO HOMERO GOMES e sua esposa ROSELAINE APARECIDA PRAIDOTTI GOMES, propuseram ação anulatória de ato jurídico em face de ALCINDO ILDEFONSO GONÇALVES e sua esposa HOSANA CORREA GONÇALVES e ainda em face de DIVINO CARLOS FERREIRA, alegando que o requerido ALCINDO GONÇALVES, no ano de 2002, ofertou ao requerente a sua propriedade rural, constituída de duas áreas, a primeira com 491,4 has e a segunda com 200 has, ambas registradas na comarca de Coxim, com a condição de que o autor poderia negociar com os bancos credores e assumir a dívida do proprietário, existindo hipotecas e penhoras realizadas sobre os mesmos bens.
Segundo os autores, houve a formalização de uma proposta ao banco Bradesco – que era um dos credores – em 28.10.2002, que foi todavia rejeitada.
Posteriormente, em 05 de maio de 2003, o requerente Sebastião Homero Gomes ajustou com Alcindo Ildefonso Gonçalves um contrato particular de arrendamento e promessa de compra e venda da mesma área, através do qual o autor estaria recebendo em arrendamento a propriedade do suplicado, ficando com a preferência na compra da área, tão logo pagasse suas dívidas e deixasse a área livre de ônus, como se observa da cláusula 02 do contrato de arrendamento, juntado às fls. 27/29 dos autos.
Na sequência, na data de 12.04.2004, os réus ALCINDO ILDEFONSO GONÇALVES e sua esposa HOSANA CORRÊA GONÇALVES, alienaram ao autor SEBASTIÃO HOMERO GOMES as mesmas duas áreas referidas, através de escritura pública de compra e venda, como se constata dos documentos de fls. 30/33 e 34/37, pelo valore declarado de R$ 10.000,00 (dez mil reais) cada uma das áreas.
Nas respectivas escrituras, ao que se observa de seus termos, ficou consignado a existência de hipotecas de 1º, 2º e 3º graus em favor do Banco do Brasil, levadas a registro nas respectivas matrículas dos imóveis, fato do conhecimento do autor adquirente, tendo sido ali assumida a obrigação de o adquirente – autor – obter as autorizações de cancelamento no ato do registro da escritura.
Além disso, ficou constando do corpo das mesmas escrituras que o outorgado comprador – aqui autor – tinha conhecimento da existência de penhoras em favor do Banco do Brasil e de Syngenta Proteção de Cultivos Ltda, “das quais o outorgado comprador tem pleno conhecimento e se responsabiliza pelas mesmas, sem exceção.
Posteriormente, contudo, os réus ALCINDO ILDELFONSO GONÇALVES e esposa venderam os mesmos imóveis para DIVINO CARLOS FERREIRA, segundo réu, através de contrato de compra e venda celebrado em data de 25.08.2004, tendo este notificado os autores para que desocupassem os imóveis, na medida em que os tratou como simples arrendatários e não como proprietários que eram, em razão da escritura pública passada em seu favor, e que não havia sido até então registrada.
Na sequência, os autores procuraram registrar as escrituras, cujos registros foram recusados pelo oficial do registro imobiliário de Coxim, dando ensejo a que fosse suscitada dúvida perante o juízo diretor do foro e este, finalmente, determinou o registro.
A presente ação tem por objeto anular o contrato de venda e compra firmado entre os réus, porque não passaria de uma simulação entre ambos. Traça considerações, também, sobre o cometimento de ato ilícito por parte dos alienantes e da nulidade do negócio jurídico, fundado no artigo 166, II, do CC de 2002, pela ilicitude do objeto.
O MM. Juiz julgou improcedente o pedido anulatório contido na inicial, e o eminente relator deu provimento ao recurso do autor para reformar a sentença e julgar procedente o pedido, declarando a nulidade do compromisso de compra e venda de fls. 43/37, com inversão do ônus da sucumbência.
Sobreveio meu pedido de vista.
O eminente relator sustenta que ao tempo da celebração do compromisso de compra e venda objeto da presente ação, os imóveis já haviam sido vendidos aos autores-recorrentes, razão pela qual, “mesmo que os recorrentes estivessem descumprindo suas obrigações contratuais, consistente no pagamento das dívidas dos vendedores, caberia aos alienantes requerer a execução do contrato ou a rescisão do pacto por eventual inadimplência contratual, o que não ocorreu”.
Com efeito, os alienantes – aqui primeiros réus – não promoveram formalmente a rescisão da escritura de venda e compra celebrada com os autores.
Entrementes, aos autores não é lícito querer tornarem-se proprietários dos imóveis sem terem pago o preço correspondente, que corresponderia, no caso, à quitação dos débitos e encargos incidentes sobre os bens alienados, todos objeto de registro perante as matrículas dos imóveis alienados.
De rigor, as escrituras de compra e venda estão privadas de efeito porque, para que pudessem se aperfeiçoar, era necessário a existência de res, pretium et consensus.
No caso os recorrentes não cumpriram com as cláusulas constantes das escrituras de que para o registro fosse feito – perfectibilizando então o ato de venda – era necessário obter o cancelamento das hipotecas e ônus incidentes sobre os dois bens vendidos, descritos no corpo das escrituras e que eram do pleno conhecimento dos autores.
Por outras palavras, o preço da avença correspondia à quitação dos ônus e débitos incidentes sobre os imóveis, pelos quais os autores, então adquirentes, teriam se responsabilizado.
Ora, os autores, depois das escrituras recebidas, pouca importância deram ao fato de que deveriam obter a quitação dos débitos incidentes sobre os bens e que se encontravam em nome dos alienantes, permitindo que tais débitos fossem crescendo de forma assustadora, até que poderia chegar a um limite tal que seria impossível promover o pagamento do débito, pela elevação do quantum devido e respectivos encargos previstos nas cédulas que deram margem a tais registros.
No corpo das escrituras consta de forma muito clara que:
a) – em relação ao imóvel matriculado sob n. 8.967, “pesam hipotecas de 1º. 2º e 3º graus em favor do Banco do Brasil S.A., registradas sob números 002, 006 e 008 na citada matrículas (das quais serão apresentadas as respectivas autorizações de cancelamento no ato do registro desta); e as penhoras em favor do Banco do Brasil S.A., registradas sob números 009 e 010 na citada matrícula, e ainda a penhora em favor de Syngenta Proteção de Cultivos Ltda., esta sobre 50% do imóvel, registrada sob número 011 na mesma matrícula, das quais o outorgado comprador tem pleno conhecimento e SE RESPONSABILIZA PELAS MESMAS, SEM EXCEÇÃO”. (fls. 31/32).
b) – em relação ao imóvel matriculado sob n. 8.966, “pesa hipoteca cedular em favor do Banco Bradesco S.A., registrada sob número 006 na citada matrícula (da qual será apresentada a respectiva autorização de cancelamento no ato de registro desta), e a penhora em favor de Syngenta Proteção de Cultivos Ltda., esta sobre 50% do imóvel, registrada sob número 007 na mesma matrícula, das quais o outorgado comprador tem pleno conhecimento e SE RESPONSABILIZA PELAS MESMAS, SEM EXCEÇÃO”.
Sob esse prisma é de se inferir que os autores estão agindo com manifesta má-fé, porque querem se assenhorar dos imóveis sem nada pagar, ferindo o artigo 422 do Código Civil que estabelece que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”, erigida a boa-fé, presentemente, como o mais importante elemento a ser levado em consideração pelo julgador, para verificação da manutenção ou desfazimento da avença celebrada entre as partes.
Daí por que o artigo 113 do CC de 2002 estabelece que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e o usos do lugar de sua celebração”, além de que, nos termos do artigo 112 do mesmo diploma, “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
Ora, intenção das partes era a de ser a alienação dos imóveis, objeto das escrituras de venda, havida por eficaz, plena e absoluta, se os adquirentes, aqui autores recorrentes, efetuassem o pagamento dos débitos incidentes sobre os imóveis, ali erigido, inclusive, como condicionante para o registro das mesmas escrituras.
E tais pagamentos, desde a data das escrituras, ainda em abril de 2004, nunca foram efetuados.
Aliás, a prova dos autos demonstra que os autores fizeram apenas um arremedo de proposta para pagamento das pendências, que já não foi aceita de plano pelo primeiro dos credores, o Banco Bradesco S.A.
Com relação à dívida junto ao Banco do Brasil S.A. a testemunha LUIZ CARLOS FAUSTINO que depôs às fls. 2136, afirmou textualmente:
“O depoente era negociador de dívidas do Banco do Brasil. O requerido ALCINDO ILDEFONSO devia ao Banco do Brasil cerca de um milhão de reais. A dívida era garantida por hipoteca de uma fazenda situada em Coxim/MS. Alcindo Ildefonso resolveu vender a fazenda porque ele não tinha como pagar a dívida.
.... Algum tempo depois ele (Alcindo Ildefonso) apresentou o autor Sebastião Homero, arrendatário da Fazenda, como interessado na compra. Durante seis meses Sebastião Homero ficou negociando a dívida com o Banco do Brasil, Ele queria uma redução e o banco acabou definindo em R$ 223.000,00, o valor pelo qual se dava por satisfeito pela dívida. Sebastião pediu um prazo de sessenta dias para pagamento, o que lhe foi concedido.
Vencido tal prazo ele pediu mais um mês para pagar, mas também não pagou.
O depoente insistiu para que ele cumprisse a proposta, mas ele avisou que ESTAVA DESISTINDO DA COMPRA DA FAZENDA PORQUE HAVIA OUTRAS DÍVIDAS, INCLUSIVE FISCAIS.
Cerca de QUATRO MESES DEPOIS o banco foi procurado pelo requerido DIVINO CARLOS FERREIRA, que demonstrou interesse na aquisição da Fazenda e foi se informar a respeito da dívida.
Durante as negociações o Tesouro Nacional assumiu a responsabilidade por parte da dívida que era securitizada. O banco perdeu a disponibilidade de negociar tal crédito, cuja recuperação passou a ser de competência do Procurador da Fazenda Nacional.
Outra parte da dívida, que compete ao banco do Brasil receber, está pendente de liquidação até hoje.
Por conta de tais entraves não foi possível a solução das pendências junto a Divino Carlos Ferreira.
.... Muito tempo depois, Sebastião Homero voltou a procurar o banco e propôs o pagamento de cem mil reais, que o banco não tinha como aceitar.
...Ao que tem conhecimento, o requerido DIVINO pagou uma dívida de Alcindo no Banco Bradesco”.
(fls. 216/217).
Esse pagamento de R$ 65.000,00 que DIVINO fez em favor do Banco Bradesco S.A., sub-rogando-se no crédito, está provado pelo documento de fls. 85, que é o cheque bancário comprado e emitido em favor daquela Banco.
Ora, a se partir do princípio de que o pedido contido na inicial está fundado na existência de simulação entre as partes – e esta é a causa de pedir que deve ser examinada, sob pena de se decidir fora do pedido – é de se concluir que nenhuma simulação ocorreu entre os réus. A venda e compra dos imóveis realmente existiu, a despeito da anterior escritura passada aos autores, não existindo nesse segundo ato qualquer simulação, mas efetiva e real promessa de venda e compra do mesmo bem anteriormente escriturado aos autores.
Logo, se os autores não promoveram o fato constitutivo de seu direito, a saber, a existência de simulação, o pedido contido na inicial haveria de ser – como o foi certeiramente – julgado improcedente pelo douto juízo a quo e essa sentença deve ser mantida.
Por isto que comungo do pensamento do douto juízo a quo quando afirma que “in casu não há provas de que houve a alegada simulação entre os requeridos ao realizar novo contrato de compra e venda do imóvel com a finalidade de causar prejuízo aos autores. Percebe-se, ao contrário, que o contrato firmado entre os requeridos foi realmente realizado e tinha por escopo a transferência do domínio dos imóveis, a fim de sanar as dívidas incidentes sobre os bens. Estes fatos em nenhum momento foi ocultado pelos requeridos, considerando que os autores foram notificados da necessidade de efetuar o pagamento das dívidas visando consumar a venda dos imóveis” (f. 265).
Daí ter concluído com acerto S. Exa., o douto magistrado, às f. 266:
“Não havendo qualquer prova de que o contrato de compra e venda firmado entre os requeridos está eivado de nulidade, não há como possibilitar a sua anulação, uma vez que não há fundamento inconteste pra invalidá-lo”.
Nesse prisma deve-se afirmar que o ônus da prova compete ao autor quanto aos fatos constitutivos de seu direito, nos termos do artigo 333, I, do CPC.
Logo, se vem ele em juízo e elenca como causa da invalidade do contrato uma suposta simulação, e não provada esta, o pedido deve ser julgado improcedente.
Esta a lição doutrinária de nossos mais cultos processualistas como, por exemplo, Cândido Rangel Dinamarco[1], que nos ensina:
“...A distribuição do ônus da prova repousa principalmente na premissa de que, visando a vitória na causa, cabe à parte desenvolver perante o Juiz e ao longo do procedimento uma atividade capaz de criar em seu espírito a convicção de julgar favoravelmente. O juiz deve julgar secundum allegatta et probata partium e não secundum propriam suam conscientiam - e daí o encargo que as partes têm no processo, não só de alegar, como também de provar (encargo = ônus).
... O ônus da prova recai sobre aquele a quem aproveita o reconhecimento do fato. Assim, segundo o disposto no artigo 333 do Código de Processo, o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”
No mesmo sentido é a lição de Moacyr Amaral Santos, em lição professada com o brilho que lhe é peculiar em sua erudita obra intitulada Prova Judiciária no Cível e Comercial, Max Limonad Editor, Parte Geral, vol. I, p. 134/135.
Nessa linha, Moacyr Amaral Santos, em doutrina a que me filio, afirma que o ônus da prova incube tanto ao autor que apresenta um pedido ou pretensão, como ao réu, que solicita seja o pedido ou pretensão rejeitado.
Citando Mortara, o ilustre autor aduz que o critério da distribuição resulta do interesse da prova. Quem tem interesse de estabelecer um fato deve fornecer sua prova; e é evidente que tem interesse quem o expõe como fundamento de sua pretensão, isto é, do pedido ou da exceção.”
Em seguida, ao transcrever o entendimento de Chiovenda sobre o tema, aponta que às partes cabe a tarefa de preparar o material necessário à instrução do processo, bem como a de deduzir e provar ao juízo aquilo que desejam seja por este ponderado ao proferir o julgamento. Para ele, o juiz não pode considerar circunstâncias que não resultem de fatos provados (judicet secundum allegata et probata; quod non est in actis non est in mundo)[2].
In casu, o ônus probatório deve ser distribuído no sentido de incumbir a parte autora em comprovar a veracidade de suas alegações, pois se afirma que o segundo contrato – celebrado entre os réus – é fruto de simulação, assim deveria ficar evidenciado.
E, pelo que se constata da prova produzida, o que se infere é que o segundo contrato – objeto da ação – efetivamente existiu e não foi objeto de simulação, mas sim de um efetivo ato de compra e venda dos imóveis descritos na inicial, que vinha sendo ocupado pelos autores.
II.
Enfrento, outrossim, o fundamento do eminente relator, que deu provimento ao recurso, consistente na afirmação de que o contrato deveria ser anulado porque “os recorridos já haviam se obrigado a transferir o domínio e o registro da escritura”, caso em que a escritura bastaria como elemento suficiente para, por sí só, ensejar a transferência do domínio aos autores.
Neste aspecto, insta salientar que do corpo das escrituras de compra e venda celebrada entre os autores e os primeiros réus, consta expressamente que os adquirentes, aqui apelantes, assumiram e se comprometeram a efetuar o pagamento de todos os débitos pendentes sobre os imóveis, quer os bancários – descritos expressamente – quer os perante terceiros (relativamente ao credor que fez a penhora de 50% do bem) quer, finalmente, os fiscais.
Isto está claro nas escrituras (f. 30/37) em que os réus assumem a obrigação de pagamento dos débitos – existentes em nome dos proprietários, então alienantes – cujas quitações, a serem expedidas pelos credores – deveriam ser apresentadas no ato do registro das mesmas escrituras. Esta condição consta expressamente do corpo dos mesmos instrumentos (f. 31/32 e 36).
Ora, o que as partes estabeleceram, no caso, foi uma condição suspensiva, nos termos dos arts. 121 e 125 do Código Civil de 2002, que assim expressamente dispõem:
“Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”.
“Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta não se verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa”.
O adquirente assumiu o compromisso de efetuar o pagamento dos ônus pendentes sobre os imóveis, expressamente descritos.
E as escrituras estabeleceram que o registro delas somente seria possível se os bancos credores apresentassem carta de cancelamento dos ônus!”!!
O negócio se celebrou, então, sob condição suspensiva, vale dizer, enquanto não efetuado o pagamento e obtida a carta de cancelamento dos ônus incidentes sobre os imóveis – ônus esses expressamente descritos e que na realidade corresponderiam ao preço do negócio – não haveria perfectibilização da avença, necessária para que as escrituras fossem registradas.
Por outras palavras, se a escritura não poderia ser registrada sem a apresentação da carta de cancelamento dos débitos, significa, em primeiro lugar, que o preço corresponderia à quitação dos ônus incidentes sobre os imóveis e, em segundo lugar, que pendia uma condição suspensiva para que as escrituras pudessem produzir o efeito desejado, qual seja, a quitação dos ônus incidentes.
E aqui vem um ponto muito importante, não descortinado no voto do eminente relator, a saber, o fato de que os autores pretendem fazer valer as escrituras, que lhes foi outorgada pelos primeiros réus, mas em nenhum instante provam que efetuaram o pagamento dos débitos ou, por outras palavras ainda, que realizaram a condição suspensiva para que os negócios pudessem ser mantidos e tivessem força suficiente para impedir que os proprietários pudessem alienar a quem efetivamente assumiu o pagamento dos débitos perante os bancos credores, como está evidenciado também nos autos, ao menos em relação a um dos credores, no caso o Banco Bradesco S.A.
Ora, se a lei diz que se a eficácia do negócio subordina-se a uma condição suspensiva – expressa no sentido de que a declaração de quitação dos credores era essencial para que as escrituras fossem registradas – enquanto esta não se verificar, diz ainda a lei, não se terá adquirido o direito a que ele visa.
Os autores, assim, não adquiriram qualquer direito à preferência do registro da escritura ou na venda, porque não cumpriram com a obrigação de efetuarem o pagamento dos débitos perante os credores, pagamentos esses que, repriso, se tornaram condição suspensiva da eficácia do negócio celebrado com os primeiros réus.
Logo, e por consequência, os primeiros réus poderiam celebrar o segundo contrato, porque a escritura estava – como está – privada de qualquer efeito.
Aliás, os autores usam do Judiciário para conseguir objetivo ilegal, eis que desejam manter o registro da escritura – que só foi ordenada por intervenção do Juiz Diretor do Foro e a meu ver indevidamente – sem terem demonstrado (o que deveriam ter feito com a inicial) que promoveram o cumprimento da obrigação de pagar aos credores, condição sine qua non para o registro.
Assim, não era necessário o prévio processo para rescisão da escritura. Esta, a meu modo de ver, não produzia como ainda não produz qualquer efeito, em face dos artigos 121 e 125 do CPC.
Mais do que isto, ainda, os autores estão de má-fé e atentam contra os artigos 112 e 422 do Código Civil, eis que sabiam a todo tempo que estavam adquirindo um imóvel sob a condição de efetuar o pagamento dos débitos existentes junto aos credores que expressamente foram descritos no corpo da escrituras, e não cumpriram com essa obrigação basilar.
O que não me parece justo e fere o bom senso do homus medius é que os autores sejam compelidos a manter a alienação anterior, simplesmente porque escriturada, quando é induvidoso, pelo que resulta da prova dos autos, que os autores, então adquirentes, não se desincumbiram da contraprestação contratual, de pagamento dos débitos pendentes, pagamento esse que se resolve, na realidade, no preço da negociação celebrada entre os autores e os primeiros réus, que não foi pago.
Se a validade e eficácia do negócio jurídico de compra e venda depende de res, pretium et consensus, e se o consenso indica que o pretium seria consubstanciado na quitação dos débitos incidentes sobre os imóveis alienados, é de se concluir que aqueles instrumentos de fls. 30/33 e 34/37 não servem aos fins destinados e, por isso, não podem ser havidos como impedientes para que uma segunda negociação fosse feita, até mesmo pelo fato de que, ao tempo da avença, as escrituras não haviam sido ainda registradas.
Outro resultado não poderia existir que não a de sua total improcedência, como acertadamente o fez o MM. juiz de primeiro grau.
A condição é cláusula limitadora da eficácia do negócio jurídico, através da qual “as partes, pelas suas próprias vontades, subordinam a eficácia do negócio jurídico que celebram a evento futuro e incerto”, constituindo-se em “elemento acidental do negócio jurídico, que subordina a eficácia do mesmo negócio à ocorrência de evento futuro e incerto. Sem ela, o negócio existe e é válido, mas ineficaz”, como se vê da lição de NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY. [3]
Em complemento, FABRÍCIO ZAMPROGNA MATIELLO[4] professa que:
“A condição suspensiva impede que o direito previsto pelas partes seja exequível, pois, embora existe como alusão abstrata, depende de uma ocorrência específica para se materializar.
É o contrário do que acontece com a aposição de condição resolutiva, pela qual o negócio jurídico tem cessada sua eficácia na hipótese de concretização do evento a que se subordina”.
ORLANDO GOMES[5] finaliza, sustentando que “ocorre ineficácia, também, quando há necessidade da prática de atos ulteriores para que o contrato produza efeitos, e não se realizem”.
“O contrato é ineficaz, strictu sensu, quando, embora válido, não produz, temporária ou definitivamente, total ou parcialmente, seus efeitos, em razão da existência de obstáculo extrínseco que impede a modificação da relação jurídica a que tende. Assim, o que contém cláusula subordinando sua execução à condição suspensiva. Seus efeitos somente se produzem se a condição se verificar, e, no caso afirmativa, a partir de seu implemento”.
Parece-me induvidoso, assim, que as escrituras de fls. 30 e 34 estão subordinadas a evento futuro e incerto, quitação dos ônus dos financiamentos e débitos incidentes sobre os imóveis, e, por isto, não são eficazes, não se perfectibilizaram, sendo inaptas para transmitirem o domínio dos imóveis aos autores.
Seu registro no Cartório de Registro de Imóveis estava condicionada ao implemento da condição que não se verificou e, por isto, o registro ordenado pelo Juiz Diretor do Foro é ato atentatório às disposições do Código Civil, aqui mencionadas.
Em razão desses mesmos fatos – e porque a condição não se implementou - os primeiros réus nunca perderam a propriedade e lhes era lícito, portanto, à míngua de cumprimento das obrigações expressas nas referidas escrituras, a mercê de quem não poderiam ficar, considerar desfeito o ato e alienar os mesmos imóveis aos segundos réus, independentemente de prévia rescisão contratual.
Para tanto, bastava, apenas, a notificação extrajudicial, como acabou por ocorrer.
Neste aspecto, saliento que o artigo 474 do Código Civil preconiza que “a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”.
Embora seja preciso que esse contrato seja desfeito por via judicial, em face do sistema francês adotado pelo nosso Código, que requer a prévia intervenção judicial para declaração da resolução do contrato quando não existir cláusula expressa resolutiva, como no caso, e muito embora os primeiros réus poderiam ter se utilizado da reconvenção para tal fim, o fato é que se a escritura de compra e venda não está produzindo o efeito desejado, que é a transferência da propriedade, pelo inadimplemento da obrigação expressamente assumida pelos autores.
Assim, a meu modo de ver, independentemente da resolução judicial daquela avença, que é uma outra ação com outro objeto e com outro pedido, a ser proposta pelos alienantes em desfavor dos adquirentes-apelantes, os proprietários poderiam compromissar à venda os mesmos bens aos segundo réus, também sob a condição de efetuarem o pagamento do débito junto aos credores, o que vêm presentemente fazendo e este fato está positivado nos autos.
Parece-me que os autores-apelantes descuraram-se da boa-fé contratual, querendo manter um contrato – e pior do que isto querendo anular por suposta simulação, inexistente, como se viu – sem que tenham cumprido a promessa assumida de pagar os débitos incidentes sobre o imóvel, numa espécie de cláusula puramente potestativa – vedada pelo nosso ordenamento – em que um dos contratantes (no caso os apelantes) subordinam a validade, eficácia e efeito do ato ao seu jugo e vontade exclusiva, com o que não posso compactuar.
O artigo 122 do CC de 2002, aliás, estabelece que:
“Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.
Ao se estabelecer que a escritura só poderia ser registrada mediante prova da quitação dos ônus reais nela descritos, é evidente que os alienantes objetivavam que tal se fizesse em prazo razoável e não ad aeternum, até mesmo porque as execuções foram dirigidas contra si, que sofrem os ônus do processo, custas, despesas, honorários e restrições cadastrais.
Logo, o pagamento do débito e prova da quitação dele, ficou ao puro arbítrio dos adquirentes, aqui apelantes, o que se consubstancia em ofensa ao referido dispositivo legal (art. 122 do CC), que invalida o negócio jurídico, nos termos do artigo 123, I, do mesmo Código Civil de 2002.
A cláusula puramente potestativa – ou cláusula potestativa pura – que é aquela descrita no artigo 122 do CC de 2002, com as consequências do art. 123, I, do mesmo diploma, atentam contra outro princípio basilar do ordenamento jurídico, que é o da boa-fé contratual, tal como descrito no artigo 422 do mesmo diploma civilista.
MARIA HELENA DINIZ[6], que dispensa apresentação, ensina-nos que “o princípio da boa-fé está intimamente ligado não só à interpretação do negócio jurídico, pois segundo ele o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração da vontade das partes, mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes devem agir com lealdade e também de conformidade com os usos do local em que o ato negocial foi por elas celebrado”.
Dentro desse espírito, parece-me induvidoso que a interpretação dos fatos e fundamentos destacados na inicial e nas alegações das partes, bem assim como do exame que se faz da prova constante dos autos, leva à conclusão de que autores e primeiros réus celebraram um negócio sob condição suspensiva, que não se implementou por culpa dos autores.
E, mais do que isto, ao subordinarem a eficácia do ato à sua vontade exclusiva, no que concerne ao pagamento do débito dos ônus incidentes e que gravam os imóveis alienados, o negócio jurídico celebrado entre autores e primeiros réus é inválido, nos termos do já referido art. 123-I do CC e, agora, do próprio artigo 422 do mesmo diploma legal, que estabelece:
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Daí ter sido afirmado nos enunciados 25 e 26 do CEJ:
“Enunciado 25: O artigo 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”.
“Enunciado 26: A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes”.
Não me parece que os autores tenham adotado comportamento leal com os primeiros réus. Assumiram uma obrigação – que estabeleceu uma condição suspensiva e, mais do que isto, puramente potestativa – e não a cumpriram. e AINDA QUEREM SUBMETER OS PRIMEIROS RÉUS aos seus completos desígnios, porque nem pagaram, tampouco mostraram vontade para tanto, muito menos evidenciaram isso com a inicial, de desonerar as propriedades, pagando os débitos existentes em nome dos alienantes, livrando-os dos processos existentes e a que ainda respondem.
Os autores, portanto, faltam com a boa-fé – que de igual forma priva de toda eficácia o ato (já não bastasse a condição suspensiva), porque querem submeter os autores aos seus desígnios e vontades exclusivas.
Se assumiram o dever de quitar os ônus financeiros incidentes sobre os imóveis, tiveram prazo mais do que suficiente para tanto e chegaram inclusive a afirmar a uma das testemunhas que depuseram nos autos – depoimento acima transcrito – que os encargos financeiros estavam muito elevados e que teriam desistido da compra.
Logo, jamais poderiam pleitear a declaração de nulidade da segunda alienação, feita entre os réus, porque o negócio jurídico que celebraram com os primeiros estava privado de qualquer efeito ou eficácia e, por isto mesmo, atentam contra a boa-fé quando pretendem compelir os réus a manter a negociação para transferência do domínio sem que tenham pago um centavo sequer pela propriedade.
Isto não é aquisição decorrente de contrato bilateral oneroso, mas aproveitamento espúrio, ilícito e anti-jurídico, da boa-fé dos alienantes, primeiros réus.
Logo, a escritura jamais poderia ser registrada e o douto magistrado que ordenou o registro equivocou-se redondamente, por fazer um exame indevido e inadequado dos fatos, eis que partiu da observação de que a existência de hipoteca não impede o registro da escritura de venda e compra (como não impede), quando a observação correta a ser levada em consideração era a de que no caso a quitação das hipotecas e demais ônus se consubstanciava no preço da negociação, razão pela qual, enquanto não dadas, não poderia serem as escrituras registradas, ex vi dos artigos 121 e 125 do CC de 2002.
Como essa matéria não foi devolvida ao conhecimento deste Tribunal, e por ser um efeito secundário da sentença, caberá ao douto juízo a quo, com a maior exiguidade possível, determinar o cancelamento do registro das escrituras de venda e compra, até como forma de evitar a perpetração de dano maior a terceiros que possam vir a negociar com os autores, de forma indevida.
III.
Por tais fundamentos, pedindo vênia ao eminente relator, dele divirjo para conhecer do recurso mas negar-lhe provimento, mantendo integralmente a sentença que julgou improcedente os pedidos contidos na inicial, com ordem de cancelamento do registro das escrituras do autor, como efeito secundário da sentença, o que haverá de ser feito com a maior brevidade possível.
CONCLUSÃO DE JULGAMENTO ADIADA EM FACE DO PEDIDO DE VISTA DO VOGAL, DES. RÊMOLO LETTERIELLO, APÓS O RELATOR DAR E O REVISOR NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
VOTO (EM 10.11.2009)
O Sr. Des. Rêmolo Letteriello (Vogal)
Dispensadas as digressões já devidamente exploradas nos posicionamentos que me precederam, a controvérsia jurídica instaurada na presente anulatória se resume à solução para a dupla compra e venda de um único imóvel à diferentes compradores.
Em agosto de 2004, o autor Sebastião adquiriu uma propriedade pertencente ao réu Alcindo, inclusive com transmissão de posse, a qual foi registrada em julho de 2005. Todavia, alegando rescisão automática da avença por descumprimento de cláusulas acordadas, o anterior proprietário vendeu o mesmo bem ao terceiro Divino, registrando o ato somente em fevereiro de 2006.
Diante de tal situação, o requerente, primeiro comprador, ingressou com ação anulatória em face do segundo negócio jurídico, obtendo a rejeição do pedido no juízo de origem, sob o argumento de que “o simples fato de existir a formalização do negócio de compra e venda do mesmo imóvel não enseja a declaração de nulidade do ato, mas a possibilidade de rescisão contratual ou pagamento das indenizações por perdas e danos” (f. 266).
Irresignado, tirou apelo, provido pelo Relator, Des. Atapoã, que entendeu que “os vendedores não poderiam remeter à venda um imóvel que antes se obrigaram a transferir o domínio, por meio de escritura pública, sem antes rescindir essa mesma escritura”. O Revisor, Des. Pavan, pediu vista, posicionando-se pela manutenção da sentença, fundado na premissa de que contrato primitivo seria totalmente ineficaz pelo simples fato de não ter havido o pagamento correlato.
Dirimindo a divergência, tenho que a razão está com o Relator, pois, a meu sentir, a mera suposição de falta de pagamento, por si só, não é apta a gerar a imediata invalidade e ineficácia da compra e venda precedente, cuja rescisão carece do prévio e devido acertamento pelas vias judiciais, até porque o apelante recebeu do primeiro recorrido a posse do imóvel e dela não poderá ser despojado a manu militari mediante simples notificação particular.
Aliás, por força do princípio da simetria estampado no preceito 472 do CC, “o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”. Assim, consumada a transmissão da propriedade por escritura pública, o retorno extrajudicial ao statu quo ante exigiria a mesma via formal, em momento algum observada pelos apelados.
Finalmente, não se mostra crível cogitar da boa-fé do terceiro que, a olhos vistos, tinha plena ciência de que estava adquirindo coisa anteriormente alienada à outrem.
Em face do exposto, dou provimento ao recurso, reformando a sentença e julgando procedente o pedido anulatório, nos termos do Voto proferido pelo Relator.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR MAIORIA DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, VENCIDO O REVISOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Dorival Renato Pavan.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Atapoã da Costa Feliz.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Atapoã da Costa Feliz, Dorival Renato Pavan e o Rêmolo Letteriello.
Campo Grande, 10 de novembro de 2009.
[1] Teoria Geral do Processo, 7a. ed., RT, 1990, p. 312.
[2] in Prova Judiciária no Cível e Comercial, vol.I, São Paulo: Max Limonad, p.105-106.
[3] Código Civil Comentado, 5a. ed., Editora rT, p. 306.
[4] FABRÍCIO ZAMPROGNA MATIELLO, Código Civil Comentado, Editora LTR, 3a. ed..2007, p. 104.
[5] ORLANDO GOMES, Contratos, Forense, 10a. ed., p. 219, e CONTRATOS, Forense, 26a. ed., pp. 230/231 e 236.
[6] Maria Helena Diniz, Código civil Comentado, Coordenação de Ricardo Fiuza, Editora Saraiva, 6a. ed., p. 111
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Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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